sexta-feira, 13 de novembro de 2020

Entrevista com a Profa. Meirijane Anastácio Barata González, Doutora em Psicologia

 



1. Bom dia, Profa Meirijane, é um prazer tê-la conosco! Para iniciar, poderia nos falar um pouco da sua formação acadêmica, sua graduação e pós-graduação?

Inicialmente é uma grande alegria conceder uma entrevista à RINEPE. Um programa que tem além de qualidade técnica uma filosofia e personalidade própria que bem representa a área de Psicologia Organizacional e do Trabalho. 

Sou Administradora e Psicóloga e, como tal, não poderia deixar de lhes dar esses parabéns pois considero a RINEPE uma iniciativa empreendedora. E também que aproxima as pessoas do mundo do trabalho, além de proporcionar a alunos e profissionais da área desenvolver artigos e resenhas, promover o pensamento crítico e conhecer novas abordagens.  

Na Psicologia da UFC eu tive oportunidade de conhecer grandes professores, dos quais destaco o Caubi, Ana Luiza, Ricardo Laranjeiras, Mônica, Cássio Adriano e Fátima Sena. E, no início do curso de Psicologia, tive também a honra de ser aluna do professor Paulo Freire que estava como professor convidado e fora cedido pela UFPE para a Pedagogia da UFC e eu consegui a proeza de fazer uma disciplina extra.

Não posso deixar de frisar uma formação especialíssima que tive oportunidade de realizar com a professora Lilian Adeodato. Ela tinha uma bolsa do CNPQ que dava direito a ter uma estagiária, e eu fui selecionada. O trabalho era em parceria com a professora Natércia Linard e outra estagiária, a Liduina Rocha. Foram três anos acompanhando um grupo de adolescentes na abordagem de Psicodrama em grupo. Meu aprendizado foi enorme! Tenho uma grande gratidão a essas profissionais e à Liduina.

Cursei, mais adiante, uma especialização em Marketing pela UECE, tendo oportunidade de estar com professores como Claudia Buhamara e Domingos Cordovil. Foi um novo mundo que adentrei. O Marketing e o Varejo.

Alguns anos depois tive a grata oportunidade de cursar mestrado e doutorado na Universidade Complutense de Madrid, com a chance de ser orientada pelo Prof. Francisco Gil Rodriguez, PhD (UCM –ES), uma pessoa simplesmente fantástica. Fui aluna da querida Marisa Salanova (Universidad Jaume de Castellon), que tão bem abraça a Psicologia Positiva na Espanha e mundo afora. Outros professores que destaco, na trajetória da Europa, são os queridos Carlos Alcover de La Hera, ligado a desenvolvimento de equipes (Universidade Autônoma de Madrid), e Martin Euwema, das pesquisas sobre conflitos gerenciais e negociação (Universiteit Amsterdam). Todos da área de Psicologia organizacional.

Na trajetória de realização do mestrado conheci mais de perto o Prof Antônio Caubi Tupinambá, foi grande a honra estar mais próxima de uma pessoa com tantas qualidades e tamanho saber. O Brasil estava bem representado, através dele, na Universidad Complutense de Madrid. 

2. Sua experiência na área organizacional é rica e vasta. Que atuações na sua trajetória profissional destaca? Que atividades extra a Psicologia organizacional você já exerceu ou exerce? 

Minha trajetória profissional está permeada pelos diversos líderes que tive a sorte de ter por perto e que também me apoiaram e atuaram como um espelho pra mim. 

Dentro do âmbito da Administração e da Psicologia, pautei meu desenvolvimento profissional mais voltado à área de Psicologia Organizacional, mas como uma pessoa holística fui também construindo uma trajetória paralela sempre voltada ao instigante mundo das relações emocionais. 

Iniciei no segmento de serviços, quando fui convidada para estagiar no Jornal O Povo de comunicação. Eles resolveram dar início à área de Recursos Humanos, o que me deu oportunidade de estar muito próximo a profissionais da área de comunicação, jornalistas famosos com os quais aprendi a importância do pensamento crítico. Entrei para apoiar a desenvolver um projeto de cargos e salários. O ato de desenvolver as entrevistas para as descrições dos cargos me aproximou muito da realidade da empresa. Nesta experiência, destaco um trabalho memorável – o plano de cargos da rádio e do jornal o Povo.

Em seguida, fui convidada para desenvolver novo plano de cargos e salários, no segmento da indústria. Nova realidade de novas experiências se somaram. A Carbomil era uma mineradora de química da Cal. Havia algumas viagens, pois a principal fábrica era em Limoeiro do Norte e as descrições de cargo sempre eram coletadas com os colaboradores mais experientes em cada função. Em uma determinada ocasião, estava entrevistando o rapaz que ocupava o cargo de detonador. Como percebeu que a entrevista era detalhada, resolveu me avisar que em 3 minutos o ambiente explodiria. Ambos saímos correndo do local. Muita emoção a vida profissional dos aprendizes. Na verdade a explosão seria de pouca proporção, não iria abalar as estruturas, mas o susto foi grande. Daí em diante eu passei a conhecer muito bem sobre técnicas de segurança do trabalho. Em seguida, “cresci” bastante na área de Recrutamento e Seleção, na área de treinamento – que era muito bem estruturada. Mais adiante, o Grupo abriu a Libra – Ligas do Brasil S A –, uma indústria pesada de ferro silício. Foi um grande desafio contribuir na estruturação de uma indústria que não tinha concorrentes no mercado local, e portanto não tínhamos mão de obra preparada para ocupar funções tão diferentes e distantes do nosso universo e perfis de tarefas. Fizemos todo um estudo focado em indústrias semelhantes situadas em Minas Gerais e a maioria das seleções ocorreram em cidades do interior deste estado. Em seguida,  acompanhei a construção da fábrica e conjunto habitacional para a moradia das pessoas que iriam ser contratadas diretamente de Minas. Foi um longo e bonito trabalho de acompanhamento das culturas diferentes que vinham a somar com a nossa cultura. O rigor em indústria tem um alto grau de complexidade, a área de qualidade e de normas de segurança do trabalho são intensas. Uma coisa me chamava a atenção, o cuidado para com as pessoas e respeito à gestão de pessoas. Por interesse em concluir meu segundo curso de graduação, saí da empresa onde trabalhava e voltei a ser estagiária, aí foi quando adentrei no segmento de varejo. 

A primeira central de compras do Ceará fora montada pelos empreendedores supermercadistas Paulo Novais e Honório Pinheiro, este último direcionado a desenvolver a área de RH. Tão logo concluí o curso de Psicologia, a UNISUPER – União de Supermercados do Ceará me contratou e fiquei responsável por desenvolver as áreas de Recursos Humanos nas sete empresas que compunham essa central. O dinamismo desse setor me animou bastante. Além disso, eram carentes de processos nos subsistemas da área de pessoas. Algumas vezes contamos com apoio de consultorias competentes como, por exemplo, o SEBRAE. O crescimento das empresas que compunham a UNISUPER foi exponencial, mas era difícil para eles conviverem sendo concorrentes entre si. Mesmo assim, o convívio em geral era muito saudável. Nesta experiência destaco um trabalho relevante que desenvolvemos – a implantação das áreas de Recursos Humanos em sete empresas supermercadistas.  

O projeto da UNISUPER foi interrompido e, nesse momento, o Grupo Supermercado Pinheiro me convidou para ampliar e desenvolver ainda mais a área de RH. Entrei quando havia apenas 37 colaboradores na empresa. Dois gigantes empreendedores estavam à frente do negócio, Honório Pinheiro e Bosco Pinheiro. O primeiro desafio foi tornar a loja da Godofredo Maciel um supermercado completo, seguido de abertura de nova loja no Mondubim, reforma da loja do Pan Americano, e em todo esse crescimento a equipe também crescia e se profissionalizava. A área de RH precisava acompanhar o dinamismo, mas estar focada nas pessoas, pois se compreendia que elas é que iriam garantir a qualidade do serviço prestado, cuidando dos clientes “lá na ponta”. 

Foi quando resolvi cursar a especialização em Marketing. Assumi em seguida a gerência de marketing, passando a exercer a função de Gerente de Desenvolvimento Humano e Marketing. Quando me perguntavam como eu conseguia gerenciar tudo isso e se dava certo, eu prontamente respondia que sim pois eu tinha equipes. Saber trabalhar em times nos permite ir mais longe e esse apoio eu tive. Desta forma é que posso dizer que realizamos um belo trabalho. 

Áreas de Competência que destaco nessa vivência - Gerência de RH, de Marketing e Coordenadora da Qualidade com atuação em clima organizacional, Estratégia de RH integrada à estratégia da empresa, Endomarketing, Planejamento Estratégico, Ouvidoria, Gestão de Marketing de Varejo, Marketing de serviços, Coordenação de Telemarketing e o programa de Vendas à distância, desenvolvimento e acompanhamento de campanhas  de mídia, fidelização de clientes, campanhas de aniversário da empresa, estratégias de aumento do recall da marca, pesquisas de satisfação dos clientes, desenvolvimento do clube de clientes e incremento do calendário do varejo. 

Estou como coordenadora da Faculdade CDL há 12 anos, atualmente coordeno as áreas de Pós-graduação e Extensão. Trata-se de uma instituição pequena, mas ancorada na CDL de Fortaleza, sua mantenedora, que traz consigo uma tradição e trajetória de desenvolver tudo com qualidade e esmero. Na Pós-graduação são 11 cursos e uma série de cursos de extensão com ênfase em varejo e negócios. Sendo possível pelo apoio de uma equipe competente, onde destaco Mirlene Conrado e Manuela Furtado a quem só tenho a agradecer. Também faço parte da diretoria da ABRH-CE, a convite da Presidente da atual gestão, Janete Bezerra, o que muito me honra.

Extra à Psicologia Organizacional, destaco o atendimento clínico no Espaço AME – a prática da Psicologia clínica infanto-juvenil é um outro leque de atividades que adoro. Ao longo dos anos fui participando de cursos, vivências e sempre aprimorando essa prática delicada que é o Apoio Psicológico, que através da Ludoterapia e do Psicodrama em grupo conseguimos desenvolver. Estar dedicada à Psicologia Clínica infanto-juvenil é uma responsabilidade enorme, mas é literalmente gratificante. Esse público envolve a família, as instituições de ensino, envolve todo um mundo de descobertas, cheio de possibilidades. 

3.  Quais os maiores desafios já enfrentados? 

Acredito que o desafio atual é sempre o mais desafiador pois algo novo sempre assusta mais, desta feita, a pandemia seria o maior de todos os desafios, por causar um medo terrível às equipes de trabalho que coordenamos e, associado a isso, o stress emocional que hoje se configura como uma 2ª pandemia. Mas com otimismo vamos seguindo adiante e na espera que dias melhores virão, estando certos, contudo, de que temos que fazer a nossa parte. Estamos na era do cuidado e isso requer um esforço maior de todos. Os profissionais de Recursos Humanos passam a ser, mais do que nunca, protagonistas diante de todo esse cenário. 

Outros desafios enfrentados foram:  

Implantação de áreas de Recursos Humanos em empresas supermercadistas no período que trabalhava na UNISUPER;

● Preparação do Supermercado Pinheiro para a conquista e manutenção da certificação de garantia internacional ISO 9000;

● Abertura e acompanhamentos dos restaurantes Restaurantes, Cinemas e parques de diversões do Grupo Pinheiro;

● Desenvolvimento, em conjunto com equipe, do projeto a Escola vai ao Cinema para o Cine Renato Aragão do Grupo Pinheiro em Sobral, que prestigia as crianças da escola pública;

● Primeira empresa a adotar o Projeto Amigos do Prato, hoje chamado de mesa Brasil do Sesc - aproveitamento de sobras de alimentos In natura;

Capacitação de 2000 profissionais em busca de recolocação profissional, com meta audaciosa de após a capacitação, recolocar 40% dos treinados. Tratava-se do programa do PLANSEQ – Plano setorial de qualificação e estava ancorado no programa do Ministério do Trabalho e Emprego, em parceria com a Faculdade CDL e SINE IDT; 

Desenvolvimento de lideranças empresariais para as 85 CDLs do interior do Ceará. Estruturamos o programa TeamWork e foram quase 200 líderes capacitados, nas nove bases das CDLs, sendo elas: 1. Serra da Ibiapaba, 2. Sertão Central, 3. Sertão Oeste, 4. Centro-Sul, 5. Jaguaribana, 6. Cariri, 7. Norte, 8. Inhamuns , 9. Metropolitana;

Desenvolvimento do projeto pedagógico do curso Bacharelado em  Psicologia da Faculdade CDL, que foi recentemente autorizado pelo MEC com conceito 4 (escala que vai de 1 a 5). Este curso terá início em 2021.1. 

4. Como surgiu a parceria com o Programa RINEPE (Rede Internacional de Estudos e Pesquisas sobre Liderança e Empreendedorismo)? O que a motiva a ser parceira do Programa?

Acompanhando os trabalhos dos Psicólogos Caubi Tupinambá e Raquel Libório, vi no RINEPE a possibilidade de associar a Faculdade CDL ainda mais à UFC e como essa linha de pesquisa, estudos e elaboração de artigos sempre me atraiu, foi uma adesão espontânea. O RINEPE sempre foi muito bem cuidado, os profissionais são experientes e profundos conhecedores de vários temas da Psicologia Organizacional e do Trabalho. Isso é muito louvável. O que mais me motiva é poder levar os conteúdos coletados em nossas pesquisas ao conhecimento do maior número de pessoas possível. Sempre achei que a Psicologia precisava se aproximar mais do lado prático das organizações, da clínica, dos hospitais e das diversas instituições onde os psicólogos atuam. 

5. Quais atividades dessa parceria poderia destacar?

Gostaria de destacar a participação em disciplinas como “Cenários do Trabalho” por meio de palestras, que permitem uma troca de experiências com os acadêmicos, futuros profissionais de Psicologia, e estabelecermos um rico network. Também foi importante a publicação, em parceria com a CDL, do livro fruto da tese de doutorado do prof Caubi Tupinambá sobre pequenos e médios empreendedores. Outra parceria relevante foi a colaboração na pesquisa de campo da tese de doutorado da psicóloga Raquel Libório, que desenvolveu pesquisa de caráter quantitativo no contexto do varejo cearense. Também realizamos juntos a organização de palestra e reunião, no Ceará, com o prof. Francisco Gil Rodriguez da Universidade Complutense de Madrid. E, por fim, destaco a avaliação de artigos da área de Psicologia Organizacional e do Trabalho que já tive oportunidade de realizar e além de contribuir, aprendo bastante.

6. Como percebe a troca com os profissionais do RINEPE?

Extremamente saudável e enriquecedora. Possibilita um aprendizado constante. Através dos seus profissionais e das atividades que o programa realiza, nós ficamos por dentro das práticas, pesquisas e estudos que estão sendo tratados e abordados na área organizacional por colegas, em âmbito nacional e até internacional. 

7. Nesse período atípico de pandemia, muitas mudanças já são percebidas no mercado de trabalho. Que desafios e potencialidades enxerga para o futuro do trabalho? 

Os modos de trabalho mudaram, as organizações estão mudando; mas as emoções não mudaram. É importante destacar isso, pois considero que este é um dos maiores desafios. Os Recursos Humanos, os psicólogos clínicos, os psicólogos hospitalares estão a cada dia encontrando seu espaço. E esse espaço cresceu mediante a necessidade imperiosa da ação do Psicólogo. É importante nós, psicólogos, fazermos uma boa leitura de tudo isso. É um tempo de transformação. Precisamos sair dessa pandemia melhores e mais fortalecidos. Toda crise causa muita pressão, mas junto com ela vem as transformações. Estamos tendo que nos adaptar a uma série de mudanças que já vinham acontecendo, mas que foram aceleradas pela COVID-19. O mundo globalizado ficou cada vez mais volátil e incerto, cabe a nós nos adaptar rapidamente mas sempre de forma reflexiva, não podemos perder de vistas a ética, algo que já vem sendo negligenciado. Precisamos estar mais perto dos líderes e ajudá-los, alertando que o foco deve estar nas pessoas, mas de uma forma a compreender todos os desafios que as equipes presenciais ou virtuais enfrentam no momento. Outro ponto a destacar é que, muitas vezes, são os Psicólogos que assumem essa liderança e aí é que precisamos estar ainda mais preparados para dar respostas adequadas e conduzir os cenários da forma mais coerente possível. Gosto sempre de lembrar da célebre frase de Carl Jung “Até onde conseguimos discernir, o único propósito da existência humana é acender uma luz na escuridão da mera existência.”.


Agradecemos à querida Meirijane Anastácio por nos conceder esta entrevista.

Entrevistadoras:
Raquel Libório (Coordenadora RINEPE), Nataly Alves e Tayssa Nobre (bolsistas RINEPE).


sexta-feira, 6 de novembro de 2020

Grupo de Estudos “COVID-19 e Trabalho”


O programa RINEPE vem realizando um Grupo de Estudos interno intitulado “COVID-19 e Trabalho”, com o objetivo de estudar as reverberações da pandemia na saúde dos(as) trabalhadores(as) e no mercado de trabalho.

Criado em agosto de 2020, o grupo ocorre semanalmente às segundas-feiras. Os textos que estão sendo apresentados e debatidos são oriundos, em grande maioria, do portal da CAPES.

O grupo de estudos é coordenado pela psicóloga Raquel Feitosa, e conta com a participação das bolsistas, Nataly Alves e Tayssa Nobre, e com os colaboradores externos, o psicólogo Adauto Montenegro e a psicóloga Rachel Alboíno.